sábado, 11 de setembro de 2010

QUANDO ME TORNEI INVISÍVEL



Já não sei em que data estamos.
Lá em casa não há calendários e na minha memória
as datas estão todas misturadas.
Recordo-me daquelas folhinhas grandes, uns primores,
ilustradas com imagens de santos
que colocávamos do lado da penteadeira.
Já não há nada disso.
Todas as coisas antigas, foram desaparecendo,
E sem que ninguém desse conta, eu me fui apagando também...

Primeiro, me trocaram de quarto, pois a família cresceu.
Depois, me passaram para outro menor ainda,
com a companhia das minhas bisnetas.
Agora, ocupo um desvão que está no pátio de trás.
Prometeram trocar o vidro quebrado da janela,
porém se esqueceram e todas as noites
por ali circula um ar gelado
que aumenta minhas dores reumáticas.
Mas tudo bem...

Desde muito tempo tinha intenção de escrever,
porém passava semanas procurando um lápis.
E quando o encontrava, eu mesma voltava a esquecer
onde o tinha posto.
Na minha idade as coisas se perdem facilmente. (...)

Noutra tarde, dei-me conta que minha voz
também tinha desaparecido.
Quando eu falo com meus netos
ou com meus filhos, não me respondem.
Todos falam sem me olhar,
como se eu não estivesse com eles,
escutando alerta o que dizem.
Às vezes, intervenho na conversação, segura de que o que vou lhes dizer
não ocorrera a nenhum deles, e de que lhes vai ser de grande utilidade.

Porém, não me ouvem, não me olham, não me respondem.
Então, cheia de tristeza, me retiro para o meu quarto
e vou beber minha xícara de café.
E faço assim de propósito
 para que compreendam que estou aborrecida,
para que se dêem conta que me entristecem, e venham buscar-me
e me peçam perdão... Porém, ninguém vem...

Quando meu genro ficou doente,
pensei ter a oportunidade de ser-lhe útil, lhe levei
um chá especial que eu mesma preparei.
Coloquei-o na mesinha e me sentei a esperar que tomasse,
mas ele estava vendo televisão, e nem um só movimento
me indicou que se dera conta da minha presença.
O chá pouco a pouco foi esfriando e junto com ele, meu coração.

Então, noutro dia lhes disse que quando eu morresse
todos iriam se arrepender.
Meu neto menor disse: "Ainda estás viva vovó?",
eles acharam tanta graça, que não pararam de rir. 
Três dias estive chorando no meu quarto
até que numa manhã entrou um dos rapazes
 para retirar umas rodas velhas e nem um "bom dia" me deu.

Foi então quando me convenci de que sou invisível...
Parei no meio da sala para ver,
se me tornando um estorvo, me olhavam.
Porém, minha filha segui varrendo sem me tocar,
os meninos correram em minha volta
de um lado para o outro sem tropeçar em mim.

Um dia, vi os meninos agitados e vieram me dizer
 que no dia seguinte nós iríamos todos passar um dia no campo.
Fiquei muito contente, fazia tanto tempo que eu não saía
 e mais ainda, ia ao campo!

No sábado, fui a primeira a levantar-me.
Quis arrumar as coisas com calma,
Nós, os velhos, tardamos muito em fazer qualquer coisa,
assim, adiantei meu tempo para não atrasá-los.
Rápido, entravam e saíam de casa correndo
 e levavam as bolsas e brinquedos para o carro.

Eu já estava pronta e muito alegre,
permaneci no saguão a esperá-los.
Quando me dei conta, eles já tinham partido e o carro desapareceu
envolto em algazarra, compreendi que eu não estava convidada,
talvez porque não coubesse no carro...

... Ou porque meus passos são lentos impediriam que todos os demais
 caminhassem a seu gosto pelo bosque.
Senti claro como meu coração se encolheu e a minha face ficou tremendo
 como quando a gente tem que engolir a vontade de chorar.

Eu os entendo, eles vivem o mundo deles.
Riem, gritam, sonham, choram, se abraçam, se beijam
e eu, já nem sinto mais o gosto de um beijo.
Antes beijava beijava os pequeninos, era um prazer enorme,
tê-los em meus braços como se fossem meus.

Sentia sua pele tenrinha e sua respiração doce bem perto de mim.
A vida nova me trazia um alento e até me dava vontade
de cantar canções que nunca acreditara me lembrar.

Porém, um dia, minha neta Laura que acabara de ter um bebê
disse que não era bom que os anciãos beijassem os bebês,
por questões de saúde...

Desde então, já não me aproximo deles,
não quero lhes passar algo mau por minhas imprudências.
Tenho tanto medo de contagiá-los!
Eu os bendigo a todos e os perdôo porque...

"que culpa têm os pobres de que eu tenha me tornado
i n v i s í v e l ?

Texto adaptado e produzido por : Helsan Produções

Texto original: "El dia que  me volvi invisible."
Autora: Sílvia Castillejon Peral
Cidade do México - 2002
.

Nenhum comentário: